quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Onipresença




Não se sabe explicar, é como se estivesse ali o tempo todo. Às vezes eu sinto que nossa alma pode viajar por aí fora do nosso corpo. A minha adora mergulhar por aí, nunca está onde deveria. Estou sentado, na biblioteca lendo, estou em Atenas, vendo os homens e os homens antigos; estou no meu dia anterior, revendo aquela cena pela milésima vez; estou dentro dela, sentindo seus lábios; estou no meio do vazio, sustentando pelo nada, caindo; estou no fundo do abismo, cavando buracos. Um súbito som me traz de volta, olho para o lado, tem uma janela aberta, árvores lá fora, vento balançando as folhas, pessoas caminhando, conversando fofocando e lá em cima nuvens lindas, todas gorduxinhas, conversando comigo. Estou no céu revirando o meu estômago sobre nosso destino. Observo a Terra debaixo de mim, a humanidade desgraçada, em miséria, vejo gente faminta fazendo comida para gente saciada, gente saciada pintando de laranja a própria desgraça, vejo gente bem com os dedos todos sujos de sangue, vejo gente gritando, sacudindo os colegas, parece que quer acordá-los, mas esta gente está meio solitário. Vejo aquela cena de ontem machucando meu corpo.
Quero água, vou-me ao banheiro. Há um espelho bem ali, um rosto igual ao mim me encara, seus olhos estão tristes, mas não estão ali. Uma bola preta dentro de uma bola branca despejada numa cara arredondada, uma marca no rosto de 4 anos atrás. Você não era só, todos os pedaços de si estavam bem reunidinhos no mesmo lugar, não havia projetos impossíveis para dar realidade. Você estava correndo e você sorrindo, sua boca estava aberta, os dentes todos pra fora, você vai chegar primeiro. Você jura que aquela pedra não estava ali, você jura que foi só um arranhão, você está sangrando, você está no hospital, você está revendo aquela cena de ontem, ela quase te beijando, o cheiro dos lábios dela, seu coração sambando, e aquele olhar... você liga a torneira e limpa o rosto.
Saio do Banheiro, meu celular vibrou, é uma mensagem. O que houve?, pergunta a mensagem, o que houve?, eu não consigo parar de me perguntar. Volto para minha mesa, mas não encontro mais o caminho para Atenas, os deuses não falam mais comigo, a assembléia se encerrou, fecho o meu livro e vou para fora.
O tempo está uma delícia, está na época das mangas e dos sorrisos, eu não sei para onde ir, normalmente eu iria para ... ontem, não foi a primeira vez, a história está se repetindo, não, tudo vai ser diferente, mas eu estou fazendo tudo de novo!, mas ela sabe agora, ela se importa? Eu não sei se eu consigo
- Oi!!!
- Oi.
- Eae, que está fazendo?
- Eu? Eu estou apenas... deixa pra lá
correr até o meu lugar. Preciso da orientação da chuva, da lua, da árvore, de id, de ego, de angola. Um silêncio completo. Compreendo, resolva isso você mesmo. Armo meu berimbau, começo a tocar e deixo ela ir. Foi o beijo mais gostoso que nunca tive, e o dia de ontem acabou, assim como de agora está no fim. Ela ainda está por aí, acho que na França, em Roma, ou em Anteontem, espero que volte, preciso dela.