domingo, 27 de junho de 2010

Tudo o que eu quero é ser feliz




  Primeira Parte

  Tudo o que eu quero é ser feliz, é demais isso uma moça como eu pedir isso, senhor? Por anos venho lutando por uma simples felicidade, uma relativa paz, um lar e uma famíla, até mesmo uma ilusória e hipócrita felicidade, mas ela é me sempre negada.
  O que posso fazer? Acontece que me minha vida e a minha realidade se emanharam por caminhos tão complicados e as coisas tornaram-se tão complexas... ai que saudades do tempo em que as coisas eram tão simples.
  Será que mamãe estava certa? Ela sempre me dizia para eu tomar cuidado por onde eu ando... se eu não fosse tão curiosa e tão exploradora, se eu tivesse esta maldita mania de querer tudo conhecer e percorrer todos os lugares e se eu não me apaixonasse tanto, talvez tudo fosse diferente. Hoje o mundo é feio. O que foi ontem, tornou-se presente... mas o que será amanhã? Pode as coisas ainda piorarem?
  Eu acreditava ser uma supermulher. Achava que dava conta de tudo. Queria saber tudo, ler tudo, fazer todos os trabalhos do mundo, ter múltiplas capacidades, ter um corpo saudável e bonito. Desejava saber lutar, falar muitas línguas, conhecer inúmeras pessoas, namorar muito e ainda ir a todas as festas. E mais: queria salvar o mundo. No entanto, tudo se tornou um fardo pesado demais para carregar. Não quero nada disso mais, aprendi a lição. Os homens não podem se tornar superhomens por si mesmo.
  Hoje me pergunto: como pude as deixar as coisas chegarem a este ponto? Eu sabia que isso podia acontecer, isso era previsível por mim, mas... eu fui orgulhosa demais. Acreditava-me muito forte e me lancei um desafio: vou tornar a minha vida mais intensa... vou até onde for o meu limite... e quando encontrá-lo... vou superá-lo! Encontrei o meu limite, perdi.
  Sabe, o que eu queria era viver. Queria me livrar daquela melancolia do cotidiano. O dia-a-dia e o banal me rupugnava. Simples tarefas como lavar louça e preparar almoço me horrorrizava. Isto é atraso, perda de tempo, tempo inútil, tempo disperdiçado. Tudo o que não tivesse diretamente ligado ao meu desenvolvimento era por mim desprezado. Meu tempo tornou-se algo parecido com um galão de gasolina furado em queria deveria me apressar em aproveitá-lo logo antes que ele se esgotasse. Depois, vi-me preso em meus próprios planos. De certa forma, consegui muita coisa do que eu queria, mas ao sacrifício de um mundo de coisas. E me cansei... estou cansada, exausta... todos estes meus sonhos começaram a exigir demais de mim... tudo o que eu quero é poder dispensar um dia da minha ao nada... e demostraram ter outra face... foram sonhos cruéis demais para uma só pessoa, não aguento mais..., pequenos demônios que querem sua alma... tudo o que eu quero é ser feliz, uma vida banal, sabe... eu desisti... e procuram te transformar em uma máquina... só quero dormir.

  Segunda parte

  O senhor levanta de sua cadeira, olha o interior da casa da moça e volta a sentar. Serve outro copo de chá para si, apoia sua cabeça em suas mãos e encara a moça com desprezo.
  - Você é uma tola. Idiota, boboca, perdida. E fraca.
  O homem levanta novamente da cadeira, vai ao banheiro e deixa a casa da moça.
  Mais tarde, encontra sua família em casa. Conta o dia para a esposa, conversa pelo telefone com o seu pai e brinca com os filhos. À noite, briga com a sua mulher. Meia hora depois, faz sexo com ela.
  No dia seguinte, de manhã cedo, toma o café-da-manhã com a família. Está na mesa o homem, sua esposa, seu filho mais velho (18 anos) e sua filhinha (16 anos). o filho mais novo continua dormindo.
  -Pai, mãe - conta alegremente sua filhinha (16 anos) - já sei o que quero ser quando crescer. Quero ser uma escritora famosa, uma artista plástica ou música. Já até consigo imaginar minha arte... ela vai falar sobre as desigualdades sociais... será uma arte de protesto... ou quem sabe de amor. Sabe o que o meu namorado me deu? Um caderno lindo (cheio de corações e eu-te-amos) para eu começar. Ele disse que eu tenho talento. Semana que vem agente vai...
  O homem se lembra da moça, seu semblante altera-se sutilmente. Termina o café-da-manhã em silêncio. Neste dia, falta ao emprego. Passa o dia em sua cama - não permite que ninguem o incomode - refletindo sobre toda a sua vida.
  À noite, escreve uma carta para a moça em tinta azul.
  "Os homens não podem se tornar superhomens por si mesmos. No entanto, somente os superhomens possuem vida."
  Dias depois, viaja ao interior para ver seus pais. Seu chefe ameaça despedi-lo. A esposa desagrada - os filhos vão perder a escola -, ela não gosta de sua mãe. 
  São recebidos com carinhos, um abraço quebra o desânimos da família. A noite, o homem pede ao seu pai para passear com ele na cidade. No caminho, conta ao pai seus pensamentos. Consegue evitar mostrar seus sentimentos (anos de treinamento).
  - Filho, o que posso fazer por você? Dei uma educação pensando em uma vida sucedida para você... e veja, você tem um ótima emprego, uma esposa bonita e filhos queridos. No meu tempo, essas eram as nossas preucupações. Se você não consegue se satisfazer com isso, deverá procurar resolver seu problema por si próprio. Mas se por você não é capaz disso, então, desculpe-me, meu filho, mas você é um fracassado. Tudo o que eu queria era que você fosse um homem feliz; pensei ter conseguido isso... mas você tem se mostrado fraco.
  Mais uma vez esconde seus sentimentos (ele é realmente bom nisso). À noite, despede dos pais e volta à sua cidade.
  Alguns semanas mais tarde, sua mãe liga para ele.
  "Filho, seu pai me contou sobre a conversa de vocês. Lamento muito que esteja passando por isso. Quero te dizer que apesar  de tudo o que aconteceu, você é capaz de superar isso. Não tome suas derrotas como argumento para provar sua fraqueza. Você será forte enquanto se mostrar forte, por isso, levante a cabeça e lute. O que você precisa agora para a sua vida é criatividade, meu filhinho; a solução de seu problema exige uma solução criativa para ela. Por isso, não busque a resposta nos outros ou no passado, mas na sua pessoal reflexão sobre os outros, o passado e si próprio. Por favor, seja feliz, eu te amo."
  Meses mais tarde, o homem não resiste, chora.
  Anos depois, sorri.

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